Somos uma geração perplexa, somos uma geração insegura, somos uma geração aflita - mas, como tudo tem seu lado bom, somos uma geração questionadora. O que existe por aí não nos satisfaz. Sofremos com a falta de uma espinha dorsal mais firme que nos sustente, com a desmoralização generalizada que contamina velhos e jovens, com a baixo auto-estima e o descaso que, penso eu, transpareceram em nossa equipe de futebol na Copa do Mundo. Algum remédio deve ser buscado na realidade, sem desprezar a força da imaginação e a raiz das tradições - até no trato com as crianças.
Uma duradoura influência em minha vida, meu trabalho e arte foram os contos de fadas. Esses relatos, plenos de fantasia falam de realidades e mitos arcaicos que transcendem linguagem, raça e geografia e revelam muito a respeito de nós mesmos.
Nessa literatura infantil reúnem-se dois elementos que me apaixonam: o belo e o sinistro. Ela abre, através da imaginação, olhos e medos para a vida real, tecida de momentos bons e ameaças sinistras, experiências divertidas e outras dolorosas - também na infância. Na realidade nem sempre os fortes vencem e os frágeis são anulados: a força da inteligência de pessoas, grupos ou povos ditos "fracos" inúmeras vezes derrota a brutalidade dos "fortes" menos iluminados. Porém o mal existe, a perversão existe, atualmente a impunidade reina neste país, confundindo critérios que antes nos orientavam. Cabe à família, à escola e a qualquer pessoa bem-intencionada reinstaurar alguns fundamentos de vida e instaurar outros.
Não vejo isso em certa - não generalizada - tendência para uma educação imbecilizante de nossas crianças, segundo a qual só deve aprender brincando. A escola passou a ser quase um pátio tumultuado, e a falta de respeito reproduz o que acontece tanto em casa quanto em alguns altos escalões do país. Essa mesma corrente de pensamento quer mutilar histórias infantis arcaicas como a de Chapeuzinho Vermelho: agora o Lobo acaba amigo da Vovó... e nada de devorar a velha, nada de abrir a barriga da fera e retirá-la outra vez. Tudo numa boa, todos na mais santa paz, tudo de brincadeirinha - como não é a vida.
Modificam-se textos de cantigas como "Atirei um pau no gato", transformando-a em um ridículo "Não atire o pau no gato" e outras bobajadas, porque o gato é bonzinho e nós devemos ser idem, no mais detestável politicamente correto que já vi. O mundo não é assim. Coisas más e assustadoras acontecem, por isso nossas crianças e jovens devem ser preparados para a realidade. Não com pessimismo ou cinismo, mas com a força de um otimismo lúcido.
Medo faz parte de existir, e de pensar. Não precisa ser o terror da violência doméstica, física ou verbal, ou da violência nas ruas - mas o medo natural e saudável que nos torna prudentes (não acovardados), pois nem todo mundo é bonzinho, adultos e mesmo crianças podem ser maus, nem todos os líderes são modelos de dignidade. Uma dose de realismo no trato com crianças ajudará a dar-lhes o necessário discernimento, habilidade para perceber o positivo e o negativo, e escolher o melhor. Temos muitos adolescentes infantilizados pelo excesso de proteção paterna ou pela sua omissão, na gravíssima crise de autoridade que nos assola; temos jovens adultos incapazes porque quase nada lhes foi exigido, nem na escola, nem em casa. Talvez lhes tenha faltado a essencial atenção e o interesse dos pais, na onda do "tudo numa boa".
Dar a volta por cima significará mudar algumas posturas e opções, exigir mais de nós mesmos e de nossos filhos, dos professores e dos alunos, dos governos e das instituições. Ou vamos transformar as novas gerações em fracotes despreparados, vítimas fáceis de armadilhas que espreitam de todos os lados, no meio do honrado e do amoroso - que também existem e precisam se multiplicar. Não prego desconfiança básica, mas uma perspectiva menos alienada. Nem todos os amigos, vizinhos, parentes, professores ou autoridades nos amam e nos protegem. Nem todos são boas pessoas, nem todos são preparados para sua função, nem todos são saudáveis.
Para construir de forma mais positiva nossa vida, é preciso, repito, dispor da melhor das armas, que temos de conquistar sozinhos, duramente, quando não a recebemos em casa nem na escola: o discernimento. Capacidade de analisar, argumentar e escolher para o nosso próprio bem - o que nem sempre significa para nossa comodidade ou sucesso fácil. Quem ama cuida: de si mesmo, da família, da comunidade, do país. Pode ser difícil, mas é de uma assustadora simplicidade, e não vejo outro caminho.
- Lya Luft -